Criando embalagens para olhos que não podem ver

Quando fui convidada a colaborar com o projeto de formatura dos alunos da primeira turma do Curso de Avaliação Olfativa para pessoas com deficiência visual, fiquei bastante lisonjeada e curiosa para conhecer este trabalho realizado pela empresa Tania Bulhões em parceria com a Fundação Dorina Nowill para cegos.

Este curso de 12 meses foi desenvolvido para turmas de 10 alunos com deficiência visual, cego ou de baixa visão, com idades de 16 a 28 anos, que precisavam ter independência de mobilidade e autonomia para participar das atividades propostas pelo projeto. O objetivo principal era, e ainda é, o de capacitar a inserção destes alunos no mercado profissional de perfumaria, que é muito exigente e requer profissionais com sólida formação, habilidades sensoriais e auto desenvolvimento para planejar suas ações.

Logo foi marcada uma reunião na Fundação Dorina Nowill para conhecer as instalações projetadas especialmente para este curso. Qual minha surpresa quando me deparei com uma sala de aula (laboratório) linda, moderna, confortável, bastante colorida, com cores contrastantes (o que aumenta a percepção de forma e volume), computadores com fones de ouvido e um acervo bem qualificado de perfumes e essências.

Além de tudo disso, encontrei também vários alunos interessados, que naquele dia seriam meus clientes. Como profissionais, me apresentaram o briefing e me perguntaram curiosos sobre meu trabalho, minhas ferramentas, a metodologia utilizada, como eu analisava e entendia esta ou aquela marca. Foi uma reunião muito divertida e interessante porque precisava explicar meu trabalho através de palavras e de sons. Como explicar sobre a cor rosa? Associando a cor a uma percepção sensorial, como ao tato: “A cor rosa é suave como uma pétala de flor”; ao cheiro: “Rosa é doce como algodão doce!”; a música: “Rosa é envolvente como uma valsa de Chopin.” E na minha falta de prática, muitas vezes dizia: “Como vocês podem ver, o consumidor entende que…” Os alunos começavam a rir e carinhosamente diziam: “ É um pouco difícil ver, mas se você descrever a imagem a gente consegue entender”.

Enquanto esta dinâmica acontecia eu pensava: “Como vou apresentar o projeto a estes queridos e animados clientes que não podem ver?” E saí de lá com este desafio. Nunca tinha desenvolvido um projeto em que a forma, o tato, o odor, fosse mais importante que o estímulo visual. Quando pensamos em embalagens que serão comercializadas no varejo, o projeto visual é o mais importante. Toda comunicação está nas cores, nas imagens e nas mensagens. O formato acompanha o conceito de beleza sim, mas principalmente tem como objetivo atender a melhor empunhadura, manuseio, volumetria, facilidade de envase, produção, transporte, lojística, etc. Além disso, o produto seria vendido na Loja Tania Bulhões e a grande maioria dos clientes desta loja não possuem deficiência de visão, portanto o estímulo visual continuava sendo muito importante.

O nome do perfume era Amor, fragrância floral para mulheres românticas, modernas, alegres, delicadas e elegantes. Os perfumes com conceito de romance e apresentado na cor rosa são muito bem sucedidos em suas vendas. Acho que romance continua sendo um tema tão desejado e atual como em todas as outras épocas. As mulheres na sua maioria são românticas. Marcas com Kenzo, YSL, Marc Jacobs, Ralph Loren, Victoria Secret, Lancôme, Lacoste, Moschino, Dior, DKNY, Givanchy, Versace e outras têm perfumes rosas em seu portfólio. Aliás todo portfólio de perfumaria hoje precisa ter este item, sem discussão.

Adoro rosa. Na psicologia da cor é a cor mais “amigável”, “amorosa”, “envolvente”. Sempre uso rosa em ocasiões importantes, principalmente quando não tenho certeza de que vou ser ouvida, incluída, aceita ou bem recebida. Recomendo o uso desta cor para diminuir distâncias, suavizar arestas e entrar num “clima” de alto astral e confiança. A cor faz bem para quem usa e para quem observa. É uma cor que vende bem. O impacto desta cor e a força de sua vibração em nossa mente são poderosos. Mas meus clientes da Fundação Dorina não poderiam sentir este impacto imediato. Então teríamos que passar esta mensagem através de outra forma. Pensamos no tato, porque este é o primeiro sensorial que acionamos quando não temos a visão clara. Num quarto escuro saímos tateando.

Corações recortados no cartucho branco em papel golfrado vergê, berço rosa aparente nas janelas de corações, logotipo Amor em hot stamping dourado e acabamento com fita e laço de veludo, frasco rosa com corações brancos impressos em silkscreen foi a proposta aprovada. Claro que levei alguns protótipos para eles “tatearem” a proposta. Meus clientes ficaram felizes com o resultado delicado e sofisticado. Eu também.

Este projeto me fez refletir sobre quantas embalagens e produtos que existem nas gôndolas e que não vemos. Porque somos cegos em frente a certos estímulos? Alguns pesquisadores dizem que só enxergamos o que conhecemos, ao que já existe em nosso repertório visual e sensorial. Acredito que é por aí. Confesso que sou fiel a algumas marcas e jamais me interesso ou procuro seus concorrentes. Existe uma névoa ao redor do foco do meu interesse.

A experiência com a Fundação Dorina e Tania Bulhões se repete a cada ano. E me sinto grata por eles se lembrarem de me chamar para fazer parte deste trabalho que considero especial, enriquecedor e gratificante.

Rita de Cássia M. Ardezzoni – Partner e Diretora de Criação da R1234 Art Design – rita@r1234.com.br