Refletindo sobre rituais e hábitos

Enquanto organizava a maquiagem na rotina da manhã, pensava sobre como somos levados a organizar nossos passos ou etapas no procedimento de tarefas. Colocava os produtos enfileirados sistematicamente numa lógica racional de prioridade de uso, primeiro o protetor solar e por último o batom. A realização de tarefas, grandes e pequenas, importantes ou de rotina, exige a definição de um inicio, um meio e um fim. A ordem e o ritmo definem seu sucesso e a falta deles seu fracasso. E qualquer experiência finalizada de forma positiva traz um sentimento de completude, realização e satisfação. Cada tarefa realizada nos liberta para iniciarmos outra e mais outra, um colar de rituais diários que são cumpridos com maior ou menor desenvoltura, variáveis de nosso humor e destreza. E é aqui que as embalagens se tornam personagens importantes que facilitam, incrementam, fixam ou transformam nossos hábitos.

Entendo que a ordem dos procedimentos que seguimos rotineiramente, mecanicamente, relaxa o cérebro que não se preocupa em se fixar nos movimentos repetitivos e transfere para o corpo físico as percepções sensoriais mais profundas. Que as tarefas simples ou complexas se transformam em rituais pela sua importância e viram hábitos. Hábitos nos tornam fiéis e leais a tudo aquilo que nos traz o conforto do resultado positivo esperado. Ora… hábitos tão necessários e tão limitadores…em algum momento iremos contra isso. Faz parte da evolução….

Nesta ordem de pensamentos, (estava neste momento passando a base no rosto, terceiro item do meu ritual) me lembrei do case dos sabonetes Francis que desenvolvemos há alguns anos atrás ainda na época das Indústrias Matarazzo, que possuíam um lenço macio envolvendo a barra. Para os consumidores daquela época era impensável eliminar este item da embalagem mesmo que produto pudesse ter seu preço reduzido. De uma visão mais profunda, isso significava que as etapas, as camadas que existiam e que precisavam ser retiradas para se chegar ao produto final contavam uma história, preparavam a mensagem, aumentavam o desejo, garantiam o mistério e a satisfação do resultado final. Para o consumidor o produto era muito mais suave, muito mais perfumado, tinha muito mais a oferecer. Abrir aquelas embalagens se tornava um ritual importante que agregava valor e sentimento de escolha bem feita. Nossa participação na época foi agregar ao layout elementos gráficos como brasões, molduras e texturas, reforçando o conceito de tradição e “luxo” presenteável.

Passando o lápis, porque delineador é muito complicado para quem usa óculos que nem eu, pensei em presentes. Presentes precisam de fitas e camadas. Quanto mais camadas melhor, mais cresce o mistério. Aquele objeto que recebi ontem em uma sacola bonita, estava dentro de uma caixa, amarrado numa fita de cetim, embrulhado num papel brilhante, dentro de outra caixa de couro, se transformou num fantástico presente. Fantástico porque veio repleto de mensagens subliminares durante o meu processo de desembrulhar: tinha mistério, trouxe expectativa, desejo, surpresa e uma imensa satisfação quando descobri que era uma jóia (Yes!). Observei em minha experiência pessoal o que já sabia, como o movimento de abrir um presente é em si um ritual. Um ritual que traz um resultado de satisfação, nem sempre pelo objeto em si mas pelo processo aventureiro de descobrimento. Conclusão: Jóias possuem muitas camadas em sua embalagem porque é preciso apresentar o seu valor. Perfumes precisam de celofane principalmente para proteger seu aroma, mas também serve de barreira para aumentar o distanciamento e motivar o interesse em abrir e adquirir com exclusividade o produto. A Apple usa celofane em suas embalagens. Cigarros, Chicletes e chás, também.

Na hora da sombra dourada lembrei de Ovos Páscoa. Quando desenvolvemos as embalagens de Páscoa para uma empresa de Chocolate tínhamos como objetivo agregar valor que o produto oferecia e que era conhecido do público alvo. A ideia de criar cintas para garantir a inviolabilidade da caixa dourada era praticamente um resultado da necessidade no processo industrial de produção, armazenamento e logística. Mas hoje posso avaliar com mais cuidado percebendo que as camadas entre o produto e o consumidor final criou uma expectativa, um mistério, um desejo e a surpresa que surgia a cada passo no abrir do Chocolate contava uma parte da história. As fitas, o celofane, o alumínio, decorados com grafismos dourados, agregando valor e conexão emocional.

Finalizando o ritual da manhã com o Batom nude pude então me libertar desta tarefa para iniciar a próxima. Chaves na mão, bolsa, pasta, casaco, pensei em mudar o trajeto de carro até o escritório, ou subir as escadas de costas, relembrar de meu último dia de 24 horas de trás pra frente. Dizem que estas atividades fazem com que o cérebro trabalhe no tempo presente e nossas ações deixem de ser tão mecânicas. Penso nisso depois. Agora seguindo a ordem, vou para a próxima tarefa.

Rita de Cássia M. Ardezzoni – Partner e Diretora de Criação da R1234 Art Design – rita@r1234.com.br